Somos Estrangeiros

Graça e Paz do Senhor Jesus a todos os amados!

Como todo bom missionário em atividade pelo envio da igreja, sinto-me convocada a prestar-lhes o tão conhecido relatório de campo. Gostaria, contudo, de aplicar um pouco de leveza nesta nossa comunicação que se dará a distância de aprox. 8.000km.
Talvez vocês não saibam mas, nestes meses o vento por aqui chega a soprar até 60 a 80km/h, a chuva vem junto não deixando escapar nenhuma parte do seu corpo gelado. Sombrinha não é aconselhável, a não ser que você queira ouvir notícias de que foi vista no ar de Cape Town uma Merry Poppins contemporânea. Preciso caminhar toda manhã cerca de 30 min. da casa onde estou morando até a escola de inglês a que estou vinculada. Mas graças a Deus, tudo está correndo bem: Estou bem instalada e bem relacionada com a família sul africana. Finalmente meu relógio biológico compreendeu que não está mais no Brasil e já não acordo no meio da noite, também consegui algumas adequações para minha alimentação, já que o povo só costuma fazer duas refeições por dia: café da manhã e jantar.
O que é notório e impressionante, culturalmente falando, não são estas usuais diferenças que já aguardamos encontrar, mas a segregação racial ainda existente entre brancos e negros, mesmo após 15 anos passados do Aparthaid.
Por traz de uma linda cidade, há muita coisa triste de se ver. Os bairros, lojas e restaurantes ainda são divididos pela cor da pele; ainda se pode ver em algumas ruas as grossas correntes que separavam o espaço permitido para o trânsito de brancos e negros; as famílias brancas sofrem de um pânico coletivo, trancafiando-se dentro de casa com janelas e portas sempre bem fechadas, com medo de serem atingidos por negros revoltados, como já ocorreu em anos passados. É uma cultura do medo. As 17hs comércio fecha, todos caminham pra casa e depois não se vê mais ninguém transitando nas ruas, a não ser, poucos veículos particulares.
Há uma população muito alta de muçulmanos em Cape Town. Eu por exemplo, moro em um bairro islâmico, há poucas quadras da grande mesquita. Posso ouvir a chamada da sirene para a oração três vezes ao dia. Mas ainda há outros bairros por onde já passei que são totalmente tomados pelos muçulmanos, com lojas, casas e colégios. Estrategicamente o Islamismo tem avançado por aqui, aproveitando-se da segregação racial. Quando os brancos deixam suas casas por causa de algum negro que se instalou próximo, temendo a desvalorização do bairro, as famílias muçulmanas se apropriam e assim têm ganhado mais e mais espaço físico na cidade.
Muitos estrangeiros transitam neste país o tempo todo. Por causa da pobreza e guerras civis constantes nos países vizinhos da África do Sul, centenas de refugiados chegam aqui ocupando a cidade sem ter estrutura financeira nenhuma para manter-se, enfrentando frio, fome e discriminação racial. Esse tem sido um grande problema para os governantes, e a meu ver, é um problema social que só tende a crescer, porque ainda não têm uma política específica para impedir a entrada ou pelo menos controlar um número que o governo possa suprir.
Com tudo isso, meus irmãos, em pouco tempo neste campo, tenho pensado bastante sobre o fato de ser estrangeira. Na semana passada fui convidada para trazer uma palavra no culto de língua portuguesa, que inclui missionários, estudantes brasileiros e refugiados de Angola, Congo e outros países de fala portuguesa. Foi uma rica experiência para mim, compartilhar na minha própria língua e meditar nas Escrituras dentro dessa diversidade cultural. Escolhi um texto que era bastante propício pra todos nós presentes:
“Pela fé Abraão peregrinou na terra da promessa como em terra alheia... porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador... confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. Porque os que falam desse modo, manifestam estar procurando uma pátria... Mas agora aspiram a uma pátria superior, isto é, celestial. Por isso, Deus não se envergonha deles.” Hebreus 11:8-16
Que grande oportunidade Deus tem me dado de apreciar as Escrituras na perspectiva daquele que deixa a sua terra e vive como estrangeiro. Havia algo em comum entre eu e todos os que estavam naquele culto, além de sermos cristãos ou apreciadores da fé cristã, todos nós ali éramos de fato estrangeiros peregrinando (de passagem) em terra alheia. Porém, o escritor de Hebreus nos conduz um passo à frente no que concerne a real situação humana de todos que compartilham da mesma fé de Abraão.
Não é estranho que todos nós estejamos sempre ansiando por algo que ainda não conseguimos alcançar? Quantas metas já estabelecemos em nossa vida, e ao chegar lá nos alegramos e no minuto seguinte já retornamos ao estado de necessitados de algo melhor, mais além? Quantas vezes, a despeito de tudo que temos, somos e construímos nessa vida, ainda nos sentimos inseguros, como se algo constantemente nos faltasse no alicerce? Quantas vezes peregrinamos em busca de algo que nem sabemos o que é exatamente, apenas ansiamos e ansiamos? Quantas vezes nos enchemos de coisas materiais em busca de suprir um anseio sem nome e sem tamanho?
Pensei fixamente na situação que a Bíblia nos apresenta usando a pessoa de Abraão. Ele estava em busca de algo que Deus o havia prometido, gastou sua vida nisso, e ao final (VS 13), restou-lhe a única certeza (Hb 11:1) de que o melhor ainda estava por vir, a promessa se concretizaria totalmente na eternidade, o constante sentimento de falta se preencheria por completo em Deus, no chão da pátria celestial, cujos fundamentos e alicerces foram estabelecidos pelo próprio Criador, e onde o sol e a lua tornam-se desnecessários (Ap 21:23) porque o próprio Deus a aquece e a ilumina com a Sua presença gloriosa.
Então, o nosso maior anseio é na alma e não no campo material, porque um dia expulsos da plena companhia de Deus, nos tornamos peregrinos, numa terra que não nos completa, até que O reencontremos e habitemos de novo com Ele. Queridos, essa é a real identidade e situação da igreja de Cristo: somos peregrinos! E se você faz parte dela, você anseia por algo superior, e, no seu íntimo, você aguarda por isso. Portanto, não é apenas a distância geográfica que nos torna estrangeiros, mas a distância espiritual que ainda nos afasta da total e plena presença de Deus, por causa do pecado que ainda habita em nós.
Meditem nisso, reavaliem o seu modo de viver, os seus planos para o futuro, os seus investimentos e as suas motivações. O que você tem aspirado vale a pena gastar a sua vida? Em que direção está aplicada a sua fé e sobre qual fundamento você se planeja? Convido você a orar pela sua vida, por mim e pela realidade da África do Sul. Até a próxima!

Um caloroso abraço,
Mis. Verônica Farias
Projeto de Cuidado ao Missionário
África do Sul

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